Traduzido por Ricardo Ilton
Em 11 de Setembro de 1973, a junta militar chilena, apoiada pela CIA e pela administração Nixon, derrubou o governo eleito democraticamente do socialista Salvador Allende. Priscilla Hayner, em seu livro “Unspeakable Truths, Confronting State Terror and Atrocity” (2001) (Verdades silenciadas: confrontando o estado de terror e atrocidade), descreve o impacto devastador: “o regime adotou um anticomunismo virulento para justificar suas táticas repressivas, que incluía prisões em massa, tortura (o número de pessoas torturadas variam de 50.000 a 200.000, de acordo com estimativas), homicídios e desaparecimentos forçados”. A ditadura assassinou, torturou e exilou milhares de opositores políticos e visionários.
Nessas condições, um silencioso pressentimento, resultado de ameaças e terror, pairava sobre o Chile. Alguns de nós nos perguntávamos, "será que as ideias de Gandhi sobre o poder da não violência poderiam ajudar na luta para desafiar o terror?".
A não violência refere-se a uma filosofia e uma estratégia de solução de conflitos, um modo de lutar contra a injustiça, e - em um sentido mais amplo - uma filosofia de vida, desenvolvida e utilizada por Gandhi e pelos seguidores em todo o mundo. A não violência é, então, um ato de não gerar ou permitir injustiça.
Clamando por verdade
Alguns de nós decidimos tentar inspirar outras pessoas a se manifestarem contra a ditadura "clamando por verdade." Enfrentávamos um duplo sofrimento: a dor envolvida com a violência da ditadura, e o sofrimento causado por ter de ficar em silêncio por medo. Era insuportável não poder gritar enquanto aqueles que amamos eram mortos, torturados e desaparecidos. Folhetos e panfletos clandestinos foram impressos. Palavras de ordem que denunciavam violações de direitos humanos foram pintadas nas paredes durante a noite, com grande risco para a segurança. O princípio da não violência ativa era a base dessas ações: uma vez que há injustiça, a primeira obrigação é denunciá-la, pois do contrário seríamos cúmplices. As ações clandestinas ajudaram a difundir o princípio de dizer a verdade e atuar de acordo com ela. No entanto, apesar dos riscos, era necessário ir além de protestos clandestinos: era necessário direcionar os protestos contra a junta militar chilena para a arena pública.
Mobilizando o público contra a tortura
José Aldunate, um padre jesuíta que se tornou o líder do Movimento Contra a Tortura Sebastian Acevedo, afirma, em suas memórias, que “um companheiro veio até nós e fez a denúncia (de tortura). Aprendemos sobre a tortura e sobre a dinâmica da não violência. Vimos um filme sobre Mahatma Gandhi. Fiquei mais motivado a protestar contra a pobreza, mas reagi à disciplina do grupo. Nós deliberamos e decidimos realizar uma manifestação não violenta para denunciar a tortura, a fim de romper as barreiras do silêncio e da ocultação dos casos de tortura. Tínhamos a obrigação de denunciá-los publicamente. Precisávamos agitar a consciência da população".
O movimento antitortura nasceu em uma ação em frente à sede do Centro Nacional de Investigação, na rua Borgoño, 1470, Santiago, em 14 de setembro de 1983, dez anos após o regime ter tomado o poder. Cerca de 70 pessoas interromperam o tráfego, exibindo cartazes com os dizeres “aqui se praticava tortura”. Eles gritaram palavras de ordem com denúncias e cantaram um hino à liberdade. O grupo retornou a esse cenário ao menos uma vez por mês até 1990 para denunciar os crimes contra a humanidade cometidos pelo regime.
Para agirmos, precisávamos desafiar abertamente o estado de emergência que foi decretado pela junta militar a fim de aterrorizar a população. Precisávamos romper o nosso próprio sentimento de impotência, isolamento e medo.
O movimento denunciou a tortura. Ele deixou a outras entidades a função de investigar e fazer declarações. Ele não tinha nenhum local para reuniões, nenhuma secretaria ou infraestrutura. As reuniões ocorriam nas ruas e praças no momento em ocorriam os atos. Não havia nenhuma lista de participantes. Eles vinham por convite pessoal, já que o movimento tinha que evitar a infiltração por parte da polícia secreta ou outras instituições repressivas. As instruções eram transmitidas de pessoa para pessoa. Os participantes eram treinados principalmente durante as próprias ações, que eram avaliadas no local.
Quando detidos, os participantes enfrentaram sanções legais e ilegais e eram frequentemente processados. Gás lacrimogêneo, espancamentos, detenção e acusação eram práticas comuns usadas em represália contra os manifestantes. A tortura também era uma possível consequência da prisão. Não apenas os manifestantes que participavam do movimento de Sebastian Acevedo enfrentavam essas sanções, mas também os jornalistas dispostos a relatar as ações e os problemas que estavam sendo expostos.
Em algumas ações, havia pelo menos 300 participantes. No total participavam cerca de 500 pessoas. Havia cristãos e não cristãos, padres, monges, moradores de favelas, estudantes, idosos, donas de casa e membros dos vários movimentos de direitos humanos; pessoas de diferentes classes sociais, ideologia e posição social.
O principal objetivo era acabar com a tortura no Chile. O meio escolhido foi o de agitar a consciência nacional (sensibilização) e despertar a consciência da nação até o regime acabar com a tortura ou o país acabar com o regime. Em 1988, após uma ampla campanha de anti-intimidação violenta, denominada "Chile sim, Pinochet não", ajudou, para surpresa de Pinochet, a derrotar um plebiscito criado para ratificar o seu governo.
Esforços para acabar com a cultura de impunidade que surgiram durante os anos do governo Pinochet e para iniciar a reconciliação nacional têm continuidade, mas as manifestações não violentas forneceram um instrumento importante, entre outros, para derrubar a ditadura.
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